segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

SENSAÇÕES... - Malu Silva


Ela sempre acordava de madrugada, na hora em que o sol ainda era feto, no útero do céu. Ouvia os cantos minúsculos, quase sussurrados, dos pássaros-filhotes que dialogavam, mansamente,


com suas mães que os tratavam, nos ninhos.
Era sua missão, todos os dias, logo que saía da cama, andar descalça pelos ladrilhos quentes da casa. Não era verão, mas a Primavera chegara intensa em seu calor.
Chaleira no fogo, vapor d'água no rosto, o café, para misturar no leite branquinho.
Sorvia cada gosto dentro da caneca de louça, mais branca do que o próprio leite e, lia, no fundo dos olhos da vasilha, o trajeto da sua vida. Fazia planos, traçava linhas, sonhava ilusões, ariava os desejos, caminhava, atravessava pontes, nadava, corria, voava...Voltava sempre que a vida lhe chamava.
Descia ao quintal para cuidar das jardineiras. Apenas duas, grandes, delas, com flores pequeninas e simples - margaridas, begônias, onze-horas que abriam a todas as horas, risonhas e inocentes. Bem no meio, uma jabuticabeira em botão, seu diário de páginas abertas a colher suas confissões enquanto revolvia a terra, como o Pricipezinho, em seu Planeta, a cuidar dos seus baobás e da sua rosa. Gostava de sentir o cheiro das raízes mergulhadas na terra úmida pelo sereno.
E, se tantos julgavam-se infelizes, ela possuía a felicidade do mundo, naquele momento, em suas próprias mãos.
Quem era aquela mulher que eu via, da minha janela, todos os dias, como num transe, num ritual, a embalar o mundo? Era eu, em um ato absolutamente íntimo, onde, após executadas as tarefa matinais, possuía forças para enfrentar o resto do dia, com o peito leve e cheio de cor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário